quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Sobre Cinza, Anitta e o Fechamento

Tudo ao mesmo tempo e agora: a música “Deu onda”, vulgo “meu pau te ama” é decretada como novo hit do verão; João Dória assume o cargo e sai pintando São Paulo de cinza pra chamar de “linda”; Anitta é a nova garota propaganda da Vivara, a marca da pulseira de R$ 928.320.938.928.329,00 golpinhos.

Tudo isso está desconectado, mas algo os une de uma forma que só olhando bem pra perceber: Anitta e Mc G15 não são bem vindos, é claro. Dória, sim. Afinal, Dória passou sua campanha inteira pregando que não era um político, que era “gente como a gente”, tomando cafezinho e comendo pãozinho na chapa. 

Never forget.
Agora, eleito, criou seu projeto “Cidade linda”, que só o nome já causa vergonha alheia, no qual pretende apagar as pichações. Curiosamente, nos vídeos e fotos divulgadas, inclusive pela equipe de marketing do prefeito, o que está sendo apagado, na maior parte, são os grafites. De qualquer forma, não sei se a equipe dele trabalha arduamente para apagar os comentários negativos, mas a maioria dos comentários é a favor do projeto e contra “esse bando de vândalos-vagabundos-sem nada pra fazer-destruidores da beleza da cidade”. De uma coisa temos certeza: Dória sairá ileso de qualquer coisa, ele virou o jogo: o inimigo é o pichador, o prefeito é um homem trabalhador, humilde, “mão na massa”, um reflexo do paulistano médio.

23 de maio/SP

Enquanto a classe média que jura ser rica celebra a falta de arte popular nas paredes da cidade, a mesma se indigna com a nova campanha da marca de jóias Vivara, que já teve Gisele Bündchen como garota propaganda e agora tem Anitta, funkeira e maior diva pop do Brasil na atualidade, você gostando ou não. É curioso perceber como a mesma tendência existe no Brasil e nos EUA, mas só é cool-trend-fashion se estiver nas Kardashians ou na Rihanna. Na Anitta é um desastre. 



Por quê? Porque Anitta é brasileira, é funkeira e agora arranjou mais um motivo pra ser odiada: tem feito discurso empoderador para as mulheres, ao contrário das opiniões de uns anos atrás. A coleção da Anitta para a Vivara é parte da famosa pulseira da marca – aquela que você gasta muito dinheiro pra ter a pulseira e depois mais dinheiro pra encher de pingente – e traz pingentes bem coloridos e modernos, diferentes das coleções anteriores e mais próximos do estilo da cantora. Foi o que bastou para a Vivara se tornar marca non grata na lista das it girls da classe média. Como pode uma funkeira ser garota propaganda?!


Sobre o Mc G15 é a mesma balela de todo começo de ano: existe uma música simples, de um ritmo popular, e essa música é um hit, todos cantam e muitos odeiam. O grande “problema” dos hits do verão é que normalmente é um pagode, ou um sertanejo universitário ou um funk, e esse último é o mais abominável entre os “intelectuais” que são inteligentes demais pra ouvir uma música que chama o “mozão” de “fechamento” e é feita por “gente da periferia”. Eu, particularmente, não gosto dessa música, mas isso é um problema meu e eu moro no Brasil, lugar que tem como música popular esses estilos (a “MPB” já não é popular faz tempo), então me resta aceitar, colocar meus fones de ouvido e desejar que quem gosta dessa música, que ouça e seja feliz (de preferência de fone ou baixinho porque ninguém é obrigado a ouvir o que você quer, seja o que for). O PC Siqueira fez um vídeo sobre essa música e as reações das pessoas que pode resumir o que eu diria nesse parágrafo (não seja o “inteligentão”) e citando o que ele diz no vídeo: a música “Borbulhas de amor” do Fagner e “Deu onda” do G15 querem dizer a mesma coisa (vamo transar!), mas uma é mais poética e profunda e a outra é bem direta e explícita, mas hits passageiros sempre existiram e sempre vão existir. Algumas músicas duram décadas e outras são esquecidas em meses porque tinham uma função única: entreter. Mês que vem aparece um hit novo; é música de festa, não é música pra te fazer pensar. E música pra entreter, pra te tirar do caos, pra te divertir e mais nada existe em todos os gêneros musicais, até no rock (vide Matanza) e no rap (vide Cone Crew), assim como as músicas de contestação social (vide “rap do Silva” e “100% feminista” da maravilhosa Mc Carol).


O ponto que une as três discussões em uma só é o desprezo que a classe média, que pensa ser uma das oito pessoas mais ricas do mundo, nutre pelo que vem da periferia. Pra quem se julga “intelectual” ou simplesmente “mais informado”, arte é MASP, Pinacoteca, teatro e cinema cult, mas arte pode ser qualquer forma de expressão e quem decide o que é arte não é o gosto pessoal de alguém. Alguns vão à exposição da Frida Kahlo, outros vão ao show do Emicida, alguns vão ao teatro, outros vão ao baile funk, mas todos estão consumindo arte. Arte acontece em espaço fechado, ao ar livre e até no muro de uma cidade, arte é expressão, livre expressão. E se você não gosta de grafites e pichações, não olhe. Não gosta da Anitta, não compre a pulseira. Não gosta do G15, não ouça a sua música. Mas pare de dizer que o Brasil não tem cultura, que a cidade de São Paulo é feia apenas por ter pichações (a gritante desigualdade não arde os olhos?) e que a Anitta nunca será como qualquer diva pop from USA. Também não se sinta superior por não consumir o que é popular, ser “diferentão” demais acaba te transformado em alguém igual a todos os outros: um chato. Respeite a arte das ruas, das favelas, da periferia, dos cantores populares, do seu país e da sua cidade e tente ouvir o que elas têm a dizer. Fica o recado pra toda a classe média e pro João Dória também.

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