quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Por Audrie, Daisy, Lucia e todas nós


            Domingo à noite eu assisti um documentário da Netflix chamado Audrie & Daisy. O documentário mostra a vida de duas garotas americanas, de cidades diferentes, com 15 e 14 anos respectivamente. O que a vida delas tem em comum? Ambas sofreram abusos sexuais enquanto estavam drogadas.
Audrie foi a uma festa na casa de uns colegas da escola e por ter bebido demais, foi levada a um quarto e violentada por mais de dois garotos do colégio. Eles a estupraram e rabiscaram seu corpo com setas e xingamentos. Dias depois, Audrie descobriu que fotos e vídeos do estupro estavam circulando pelos celulares e finalmente entendeu o que estava acontecendo, afinal ela não se lembrava de nada da noite em que foi abusada. Audrie cometeu suicídio semanas depois. 

trecho de uma conversa de Audrie com um dos garotos envolvido no abuso
Já Daisy não cometeu suicídio, mas sua família teve que mudar de cidade após atos de vandalismo, ameaças e até um incêndio causado em sua casa. Daisy estava em sua casa, com sua amiga Paige, de 13 anos, bebendo, quando recebeu uma mensagem de um garoto mais velho, conhecido de seu irmão a convidando para ir até a casa dele. As duas saíram escondidas e foram até lá, onde foram levadas a beber mais a ponto de desmaiar. O final a gente já sabe. O filme mostra trechos dos interrogatórios com os responsáveis pelos abusos e cita histórias de outras adolescentes que foram violentadas enquanto estavam dopadas. Casos semelhantes ao de Lucia Pérez, de 16 anos, que comoveu a Argentina e o mundo. Lucia foi estuprada e morta por dois homens mais velhos quando saiu para comprar maconha. A brutalidade do caso chocou a promotora do caso e fez com que as mulheres argentinas entrassem em uma greve geral.

#NiUnaMenos
Antes de qualquer julgamento sobre menores consumindo álcool e maconha, como se isso fosse o pior das três histórias, precisamos debater a vulnerabilidade da mulher. Todo adolescente – homem ou mulher – tem curiosidade, todo adolescente faz besteira, muita gente bebe, muita gente fuma maconha, mas só as mulheres são obrigadas a tomar o dobro de cuidado ao fazer qualquer coisa, porque aquele amigo do irmão, aquele cara que te vende droga, aquele amigo da faculdade, aquele primo, aquele vizinho... qualquer um pode ser um estuprador, qualquer um deles pode estar esperando apenas o momento certo para cometer o abuso. O estuprador não é um homem com problemas mentais, ele é apenas um homem. Um homem que sente prazer na dominação, e isso não tem nada a ver com pênis (como dizem os defensores da castração química), senão não haveria casos como o da garota que foi violentada com um pedaço de cana-de-açúcar aqui no Brasil, esse país que também viu recentemente uma garota de 17 anos ser estuprada por mais de 30 homens e questionou a veracidade do fato. Aliás, questionar é o que mais se faz quando uma mulher relata um abuso.
No documentário, o caso de Daisy não resultou na prisão dos garotos que a abusaram, muito pelo contrário, ela foi quem saiu como a “vadia mentirosa” que tentou incriminar os rapazes que fizeram sexo com ela. Inclusive há um momento do filme em que um dos investigadores ri, afirma que as meninas têm tanta culpa quanto os garotos e questiona: “o que elas esperavam ao sair escondido no meio da noite com garotos mais velhos?”. Olha, investigador, eu tenho certeza que elas esperavam se divertir apenas, e não ser humilhadas e forçadas a fazer o que não queriam (o garoto que abusou de Paige, amiga de Daisy, assumiu em depoimento que ouviu a garota dizer “não” e mesmo assim continuou o abuso).


As pessoas estão sempre procurando um motivo, um argumento qualquer para não culpar os estupradores e comprovar que a mulher está sempre procurando sexo, mesmo quando ela diz com todas as letras que não quer. Já virou comum ouvir e ler pessoas questionando o que elas estavam fazendo em tal lugar a tal horário, o que elas esperavam ao beber daquele jeito, o que elas queriam ao vestir roupas tão curtas e apertadas, o que elas achavam que aquele cara queria, o que elas fizeram para provocar o crime, mas ninguém questiona o cara: Porque você não parou quando ela pediu? Porque você continuou quando viu que ela estava desacordada? Porque você a ESTUPROU?

Homens têm medo de ser assaltados, nós temos medo de assalto e abuso sexual. Nós vivemos com o dobro de medo e a certeza de que ninguém além de nós lutará por nós, a certeza de que a justiça comandada por homens preferirá proteger os garotos, porque nós, independentemente do que estejamos fazendo ou vestindo, sempre estaremos à disposição deles. Então, por Audrie, por Daisy, por Lucia, por mim, por você e por todas nós, lutemos. Somos nós por nós e mais nada.

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